Thomas Felsberg

A insolvência se caracteriza, no Brasil, principalmente pelo não-pagamento de dívida no prazo estipulado. A conseqüência da insolvência pode ser a liquidação da empresa ou a sua recuperação. A recuperação da empresa envolve um amplo espectro de medidas, algumas de caráter judicial, outras de caráter administrativo e financeiro.

Na esfera judicial, desde o advento da nova Lei de Falências, as medidas de recuperação podem ser divididas em três tipos básicos: a recuperação judicial, a extrajudicial e a própria falência. Normalmente, as medidas judiciais não excluem as de caráter administrativo ou as de caráter financeiro, sendo necessário cumulá-las para que o objetivo da recuperação da empresa seja atingido. Em inúmeros casos, é possível prescindir das medidas judiciais, que, por sua própria natureza, são traumáticas e que correspondem, no plano médico, à cirurgia.

Em uma economia moderna, a regra deve ser a recuperação da empresa, sempre que possível, deixando-se a liquidação para os casos em que a recuperação é, de fato, inviável. A recuperação salva unidades produtivas, empregos, capacidade contributiva e o PIB. A liquidação limpa a economia, retirando dela os agentes inviáveis, que não pagam impostos e atrapalham a atividade das empresas solventes que com ela concorrem.

Das três modalidades de recuperação previstas na nova Lei de Falências, a recuperação judicial é a mais conhecida. Mais de 500 empresas já utilizaram a medida desde que a legislação entrou em vigor – algumas com muito sucesso. Na recuperação judicial o devedor reconhece a sua incapacidade de cumprir obrigações e se dirige ao Poder Judiciário para solicitar um período de suspensão de ações, durante o qual negociará com os seus credores um plano de recuperação. Na recuperação extrajudicial, por sua vez, o devedor negocia um plano com determinadas categorias de credores, e, se o mesmo for aprovado por pelo menos 60% dos credores, poderá ser homologado judicialmente, vinculando então até os credores dissidentes. Esta modalidade de recuperação ainda é pouco praticada, e o Poder Judiciário ainda não a digeriu bem, eis que, dentre os poucos casos submetidos à Justiça, a maioria não foi homologado.

Finalmente, temos a falência, que, como modalidade de recuperação, é ainda uma novidade difícil de ser assimilada. Seu funcionamento é simples: a falida requer a continuação do negócio para preservar o seu valor intangível e, em seguida, o negócio é transferido a um terceiro através de uma alienação judicial. O comprador o adquire sem assumir quaisquer obrigações da falida, quer de natureza trabalhista, fiscal ou cível-comercial. O preço pago pelo negócio é, então, utilizado para pagar os credores da massa. A atividade produtiva, o emprego e a capacidade contributiva da empresa ficam preservados. Feita esta introdução, cumpre agora ressaltar alguns aspectos da legislação que podem ser melhorados para que ela atinja plenamente os objetivos que nortearam sua elaboração.

Desde que entrou em vigor, foi possível detectar inúmeras falhas, lacunas e incongruências da nova Lei de Falências

A nova Lei de Falências exclui dos efeitos da recuperação (e mesmo da falência) algumas categorias de credores, a exemplo dos casos de alienação fiduciária, arrendamento mercantil ou venda com reserva de domínio. São também excluídos o fisco e os credores de operações de adiantamentos de contrato de câmbio (ACCs) e sobre adiantamentos de cambiais entregues (ACEs). Não sendo abrangidos pelos efeitos da recuperação, tais credores podem, individualmente, inviabilizar, como tem feito, muitos casos de recuperação. Em função da exclusão de tais credores, as modalidades de crédito vêm sendo redirecionadas para operações imunes aos processos de insolvência. Isto pode fazer com que a lei se torne crescentemente ineficaz. Retorna-se à situação anterior, em que as partes não tinham um marco legal eficiente para amparar as recuperações, ficando, portanto, adstritas a soluções negociais, que, muitas vezes, exigem unanimidade.

Quanto ao fisco, caberia encontrar soluções construtivas que pudessem adequar o pagamento das obrigações fiscais à capacidade de pagamento das empresas em recuperação.

Outro capítulo que merece reparos é a questão do financiamento das empresas em recuperação. No mundo real, é preciso que o financiamento da recuperação goze de prioridade absoluta, para que as recuperações possam ser realmente viáveis. O tratamento dado a esta questão pela lei tem se mostrado ineficiente, na medida em que o financiador da recuperação, embora dotado de prioridade de recebimento em caso de falência, acaba, na prática, tendo que competir com diversos outros credores também considerados "extraconcursais", bem como com os credores imunes aos efeitos da insolvência mencionados acima. Ademais, é necessário adequar a aplicação das regras da Basiléia e determinadas normas tributárias à dinâmica da recuperação.

Por fim, para que a falência venha efetivamente a ser utilizada como instrumento de recuperação, algumas providências poderiam ser testadas, como a maior regulamentação da atividade do administrador judicial e do comitê de credores e a adoção, pelos bancos estatais – como o BNDES, o Banco do Brasil e os bancos de desenvolvimento – que detêm créditos em empresas em dificuldades, de uma política de incentivo à recuperação.

Desde que entrou em vigor, em junho de 2005, foi possível detectar inúmeras falhas, lacunas e incongruências da nova lei. Apesar de todo o exposto, não há dúvidas de que as suas virtudes superam em muito as deficiências e de que o aprimoramento da lei permitirá que os resultados por ela almejados sejam realmente alcançados.

Thomas Fe
lsberg é advogado e sócio-fundador do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar Advogados.
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Fonte Valor Econômico