Última saída
Penhora online só deve ser aplicada em último caso
por Gustavo Pinhão Coelho
Recentemente, o Poder Judiciário e o Banco Central (Bacen) têm colocado em evidência as modificações do convênio Bacen-Jud 2.0, sistema que permite aos magistrados, com uma simples senha de acesso, quebrar o sigilo bancário de empresas e cidadãos comuns, bloqueando valores disponíveis e colocando-os à disposição do juízo para quitar execuções em andamento.
Não há como negar a celeridade que o convênio Bacen-Jud proporciona aos processos executórios, possibilitando que credores recebam o que lhes é devido, em situações que, antigamente, não seria possível; mas não podemos deixar de ressaltar as mazelas que este sistema, se não devidamente utilizado, pode ocasionar à ordem econômica do país.
É necessário ressaltar que o convênio Bacen-Jud deve ser utilizado como a exceção e não como a regra. O ideal é que sirva para aqueles processos executórios onde o credor tem como perdido o seu crédito, depois de esgotadas todas as alternativas possíveis e menos gravosas ao devedor, mas consegue comprovar que o devedor tem meios de quitar sua dívida e está agindo de má-fé.
Contudo, o que se vê na prática forense é que o convênio Bacen-Jud tem sido a regra no processo de execução e vem sendo utilizado de forma aleatória, sem critérios ou qualquer análise fática do caso concreto. Desta forma, ao invés de proporcionar segurança jurídica, tem ocasionado efeito contrário.
Como alguns exemplos de má utilização dessa ferramenta, ressaltam-se casos onde o princípio da inércia jurisdicional é simplesmente ignorado, e o juízo, sem qualquer requerimento da parte exeqüente, formaliza ordem de penhora on line contra o executado. Em outros casos, o credor pleiteia a penhora on line e é atendido sem que ao devedor seja concedido o direito de quitar sua dívida.
Há casos, ainda, em que há publicação de decisão judicial indagando a parte credora se não há interesse na realização da penhora on line e outros em que o devedor quita sua dívida, mas a penhora on line é efetivada, ocasionando pagamentos em duplicidade. É, portanto, um total desprendimento aos preceitos legais e princípios básicos do Direito Pátrio.
É certo que o Código de Processo Civil lista o rol de bens a serem ofertados para garantia da execução, colocando o dinheiro em espécie como primeira hipótese. Porém, a escolha deve ser do devedor, cuja boa fé deve ser presumida. Provando-se o contrário, surge à possibilidade de utilização do sistema Bacen-Jud, quebrando o sigilo bancário do devedor, e não o contrário.
Utilizando-se o Bacen-Jud como regra para o processo de execução, conclui-se que há presunção de má-fé do devedor, antes mesmo deste demonstrar quais os meios que tem para quitar sua dívida, residindo, aqui, grave infração aos direitos do cidadão.
A verdade é que o convênio Bacen-Jud 2.0, com suas novas modificações, possibilitará o acesso aos saldos bancários e extratos. Isso é uma forma de quebra do sigilo bancário e deve, portanto, ser utilizado em último caso, quando há comprovação de fato relevante que o sustente, como, por exemplo, fortes indícios de fraude contra credores, sob pena de ferir indevidamente a privacidade do cidadão e o direito ao sigilo de seus dados, amparados pela Constituição Federal, artigo 5º, incisos X e XII.
Assim, a utilização do sistema Bacen-Jud pelos magistrados deve ser extremamente cautelosa e excepcional, exigindo desses servidores que defendam o esgotamento de todas as possibilidades legais de execução, garantindo ao credor o direito que lhe compete, mas, também, defendendo a dignidade do devedor e os direitos que lhe são garantidos pela Constituição Federal e Legislações pátrias, sob pena de gerar insegurança jurídica com claras ofensas a princípios e garantias fundamentais previstas na Carta Magna.
Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2008