Contribuição de iluminação na fatura de energia
Fábio Amorim e Michelle Farah
06/06/2008
A Contribuição de Iluminação Pública (CIP), instituída pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002, permitiu que os municípios editassem leis para criá-la e celebrassem convênios com distribuidoras de energia elétrica. Pela redação do artigo 149-A da Constituição Federal, a cobrança pode ser feita na fatura, sendo a distribuidora um mero agente arrecadador do tributo.
Recentemente, o Ministério Público e Associações vêm ajuizando diversas ações civis públicas pelo país contra a cobrança, sendo réus, os municípios, as distribuidoras e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Alega-se que a cobrança dos valores do consumo mensal de energia elétrica e da CIP em um mesmo código de leitura infringe as normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e regulamentação da Aneel.
Em alguns casos, decisões de juízes de 1ª instância determinaram que as distribuidoras emitam notas fiscais de fatura com dois códigos para informar os valores correspondentes ao consumo mensal de energia elétrica e a CIP. Estas ações imputam às distribuidoras responsabilidades e custos não previstos na emenda constitucional e alegam que estão sendo descumpridas, por parte dessas empresas, norma prevista no artigo 84 da Resolução Aneel nº 456, de 2000. O artigo faculta às distribuidoras incluir a cobrança de serviços prestados na fatura. A CIP não é serviço, mas contribuição de competência municipal cobradas pelas distribuidoras, autorizadas pela Constituição Federal, mediante convênio com a municipalidade. Por se tratar de tributo, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor.
Se a contribuição não pudesse ser cobrada na fatura de energia elétrica, caberia ao ente público decidir como iria proceder a cobrança. Não cabe ao Judiciário "legislar" sobre a matéria e "criar" uma nova lei imputando às distribuidoras a emissão de faturas distintas para cada usuário. Decisões judiciais nesse sentido infringem o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes. A obrigação imposta às distribuidoras por meio de tutelas e liminares sequer encontra-se prevista na legislação. Caso fosse necessária eventual modificação para uma suposta "correção", caberia ao Legislativo disciplinar, estabelecer requisitos e condições para a cobrança, separadamente se fosse o caso.
O desmembramento da fatura em consumo e tributo, com código de barras distinto, não é procedimento simples
O desmembramento da fatura em consumo e tributo com código de barras distinto não é procedimento simples. Para as distribuidoras, representa um gasto de milhares de reais com a implantação de um novo sistema, mudança no "layout" da fatura e a necessidade de sua aprovação pela Secretaria de Fazenda Estadual, e alteração de toda a logística de arrecadação. O número de faturas emitidas mensalmente duplicaria, além dos custos de readaptação do sistema – revisão de faturas, auto-atendimento, emissão de 2ª via, agência virtual, cobrança do sistema bancário, contabilização, relatórios, divulgação em mídia do novo sistema de cobrança nas faturas da distribuidora e a reciclagem dos atendentes de call center.
Caso essas ações tenham resultado favorável aos autores, poderá ocorrer a eventual suspensão do serviço, em razão do inadimplemento municipal ou a distribuidora será obrigada, por determinação judicial, a prestar serviço ao município inadimplente. Nenhum dos cenários favorece a coletividade. Sem iluminação pública, a segurança será ainda mais prejudicada.
Independentemente de serem inseridas em um mesmo código de barras, as duas relações jurídicas são distintas. Nada impede que o consumidor, titular do direito disponível e individualizado, questione sua relação consumerista, ou que o contribuinte se insurja contra o fisco municipal para discutir a relação jurídico-tributária referente à CIP. Assim, observa-se um conflito entre a pretensão consumerista e o interesse público secundário e outro imediato entre o anseio dos consumidores e o das distribuidoras em manter a cobrança na forma atual.
A CIP é um tributo com previsão constitucional e sua permissão de cobrança na fatura de energia é expressa. Não faz sentido impor uma obrigação para garantir o pagamento em separado, ainda mais grave quando a determinação de se desmembrar a fatura se faz em prazo exíguo e com ônus não previstos. Qualquer mudança de procedimento pode ser custosa e inviabilizar operacionalmente a cobrança do tributo por parte das distribuidoras, ensejando sérios e graves prejuízos aos entes municipais que dependem da CIP para quitar os débitos com iluminação pública. A inscrição em dívida ativa e eventual ação judicial esbarram nos pequenos valores do tributo e não compensarão esforço da arrecadação municipal.
Se há previsão expressa na EC nº 39 da cobrança da CIP na fatura de energia e se esta não foi modificada, qualquer decisão judicial contrária, ofende a Constituição e é juridicamente desprovida de fundamentos, além de proteger alguns em detrimento da coletividade. A prevalecer temerária tese ficará a sociedade sujeita a falta de iluminação pública, aumentando, por certo, a insegurança que hoje já nos deparamos.
Fábio Amorim e Michelle Farah são advogados do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor Econômico – destaque nosso
- (41) 3022-7484
- Rua Moysés Marcondes, nº 726, Juvevê / Curitiba CEP 80530-320