Lacunas na lei levam à Justiça disputas por direitos autorais
Luiza de Carvalho, De São Paulo
14/07/2008
Dez anos após entrar em vigor, a Lei de Direitos Autorais sofre questionamentos na Justiça diante de lacunas e imprecisões apontadas por especialistas. A Lei nº 9.610, de 1998, foi criada para adequar a antiga legislação sobre direitos autorais, da década de 70, aos avanços tecnológicos que implicaram em novas formas de criação artística e de violações das mesmas. Mas, apesar de ter cumprido esse papel, alguns aspectos ainda não alcançaram um entendimento pacífico no Poder Judiciário.
Um dos focos de questionamentos judiciais da legislação trata das obras feitas sob encomenda, ou seja, os trabalhos desenvolvidos pelos chamados profissionais criativos, como fotógrafos, cientistas e webdesigners, para as empresas que os contrataram. A antiga Lei nº 5.988, de 1973, previa que a obra intelectual produzida em cumprimento ao dever funcional, contrato de trabalho ou prestação de serviços pertenceria a ambas as partes, salvo convenção em contrário. No entanto, não há previsão para isso na atual legislação, o que tem levado profissionais a reivindicarem direitos sobre obras na Justiça.
A ausência de previsão legal sobre o tema acaba gerando processos na Justiça. Como o de um designer gráfico que processou a empresa em que trabalhou, pleiteando uma indenização de R$ 150 mil, sob a alegação de que suas criações foram utilizadas após a rescisão contratual. Ele perdeu na primeira e segunda instâncias – em abril, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região considerou que a empresa poderia usar as criações após o desligamento do funcionário sem a necessidade de pagar por isso, pois a remuneração da obra estaria incluída nos salários que recebeu enquanto empregado.
O caso não é raro. O advogado Attilio Gorini, do escritório Dannemann Siemsen Advogados, representa dezenas de empresas em negociações com ex-funcionários. "A maioria é resolvida por acordos", diz. Um dos casos do advogado em andamento é o de um diretor de cinema que fez um documentário a pedido de uma empresa e entrou com uma ação alegando violação de direitos autorais por não ter autorizado o lançamento de seu filme na forma de uma compilação, como fez a empresa. O caso ainda aguarda julgamento. Para o advogado José Roberto Gusmão, do escritório Gusmão & Labrunie, o problema é que hoje a maioria das criações são empresariadas e a lei não permite que pessoas jurídicas sejam consideradas autoras de obras. "A lei apresenta uma proteção paternalista exagerada ao autor", diz Gusmão.
Também não é pacífico na Justiça o entendimento em torno do artigo 46 da Lei de Direitos Autorais, que permite a cópia de "pequenos trechos" de obras. De acordo com a advogada Sonia Maria D\’Elboux, algumas decisões judiciais consideram como pequeno trecho cerca de 20% da obra. Segundo ela, nos últimos anos algumas faculdades foram notificadas por deixar livros inteiros à disposição dos alunos na central de cópias. "A cópia deveria ser permitida em casos como obras esgotadas ou estrangeiras de cunho científico não editadas no Brasil", diz. Recentemente, ao julgar sobre um caso de plágio de uma obra literária, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) negou um pedido de indenização por entender que não houve subtração total do texto, pois foi copiada somente a sua essência, o que seria permitido pela lei.
O advogado Alexandre Lyrio, do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, atuou na defesa de uma empresa de engenharia que, em comemoração aos 50 anos de existência, publicou um livro com trechos de poemas associados a fotos do Rio de Janeiro. Os autores entraram na Justiça reivindicando direitos autorais sobre a obra, mas, segundo Lyrio, o juiz decidiu favoravelmente à empresa, por entender que ela não era a responsável pela seleção dos trechos, já que havia contratado um serviço terceirizado para fazer isso. Em outras quatro ações em que o advogado atuou, o entendimento do Judiciário foi de que eram devidos os direitos autorais, apesar de serem pequenos trechos, pois foi levado em consideração o artigo 24 da lei, que dá ao autor o direito de assegurar a integridade da obra e se opor a modificações. "A falta de detalhamento da expressão \’pequenos trechos\’ gera insegurança jurídica", diz Lyrio.
Estabelecer uma indenização por violação de direitos autorais foi outra novidade da Lei nº 9.610. O artigo 103 determina que, não se conhecendo o número de exemplares de uma edição fraudulenta, será pago pelo transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos. Mas, para alguns advogados, há casos em que esse valor não é razoável. O advogado Luis Edgard Montaury Pimenta, do escritório Montaury Pimenta, Machado & Lioce, atuou contra uma rede de supermercados que comercializou uma camiseta com a imagem de um atleta. O fotógrafo autor da imagem pleiteou na Justiça uma indenização por violação de seus direitos. Como não foi possível descobrir quantas camisetas foram vendidas, aplicou-se o critério da lei – nesse caso, para Montaury, o valor foi aquém do desejado, pois cada peça custava R$ 5,00. "O valor deveria ser adequado a cada situação", diz.
Com a internet, ficou quase impossível mensurar a quantidade de cópias de uma obra que foram veiculadas. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se deparou com um recurso em que uma empresa tentava limitar a condenação por violação de direitos autorais de software ao equivalente ao número de programas de computador obtidos ilegalmente. O STJ, porém, manteve a decisão de segunda instância, que havia aplicado o artigo 103 da lei, por entender que a utilização dos softwares contrafaceados em computadores em rede permite que um número maior de pessoas os acesse.
Publicado em 14/07/2008
Fonte: Valor Econômico