Crédito reconhecido por decisão arbitral é habilitado em falência
Zínia Baeta, De São Paulo
22/07/2008
A Justiça brasileira tem admitido, em recentes decisões, que a arbitragem – método extrajudicial para a solução de conflitos – seja usada em situações até então tidas como controversas no meio jurídico. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já julgou, por exemplo, que o instrumento pode ser usado por empresas de economia mista. No mês passado, a corte superior entendeu que uma empresa em liquidação extrajudicial também pode usar a arbitragem. E, em junho, em uma decisão inovadora, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aceitou que uma empresa habilite créditos, reconhecidos por sentença arbitral, no processo de falência da empresa Diagrama Construtora.
O caso do TJSP, apontado por especialistas como o primeiro a tratar especificamente sobre a habilitação de créditos em falências, foi julgado no fim de junho pela câmara especial de falências e recuperações judiciais do tribunal e favorece a Jackson Empreendimentos. Na primeira instância, o pedido da empresa foi negado por julgar-se, dentre outros pontos, que, decretada a falência, ocorre a indisponibilidade de direitos, prevalecendo o interesse da massa falida e dos credores em relação aos particulares.
O advogado que representa a Jackson Empreendimentos, Marcos Rolim Fontes, responsável pela área de direito empresarial do escritório Porto Advogados, afirma que a Diagrama foi contratada em 2003 por sua cliente para construir um prédio em Baurueri, cujo contrato trazia uma cláusula compromissória. De acordo com ele, a construção foi finalizada, mas ainda restou pendências em relação à obra, motivo pelo qual, em abril de 2005, a Jackson entrou com um pedido de arbitragem na câmara de mediação e arbitragem do Instituto de Engenharia. Dois meses depois foi decretada a falência da Diagrama. A arbitragem continuou a correr, apesar da manifestação em contrário do administrador judicial da massa falida, e foi proferida no ano passado pelo tribunal arbitral em favor da Jackson.
Fontes afirmam que se a contratação da empresa ocorreu antes da falência, assim como a arbitragem, não há razão para que o procedimento não tenha seqüência. Segundo ele, deve-se apenas tomar o cuidado para que a massa falida seja devidamente representada na arbitragem. Além disso, o advogado argumenta que o juízo universal da falência comporta exceções, conforme o artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial. O dispositivo da legislação estipula que a "decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário". Mas o parágrafo 1º da lei prevê o prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. "Por analogia a arbitragem é enquadrada nesse parágrafo", diz.
O professor Arnoldo Wald, do Wald e Associados Advogados, afirma que a decisão do TJSP, assim como a do STJ em relação à liquidação extrajudicial, é uma tendência real para um campo da arbitragem em que sempre houve dúvida. Para ele, esses são precedentes para liquidações extrajudiciais, falências e recuperações judicial. A advogada Selma Lemes, do escritório que leva seu nome, afirma que a decisão do TJSP deixa claro que o importante é a data em que a cláusula arbitral foi firmada. "O que importa é a capacidade das partes na época, não importando os fatos supervenientes", diz. Segundo o advogado especializado em arbitragem, Eduardo Damião, do BKBG Advogados, há muita confusão entre direito indisponível (a arbitragem só pode ser usada para direito patrimonial disponível) e a indisponibilidade que ocorre após a falência.
Além de levar em consideração que a arbitragem foi iniciada antes da falência, o TJSP julgou que não há necessidade de o Ministério Público participar do procedimento arbitral.
O precedente sobre liquidação extrajudicial foi julgado no mês passado pelo STJ na análise de um recurso proposto pela Interclínicas Planos de Saúde, cuja liquidação extrajudicial ocorreu em 2005 por determinação da Agência Nacional de Saúde (ANS). A discussão que chegou à corte envolveu, além da Interclínicas, a Saúde ABC Serviços Médicos Hospitalares, operadora de planos de saúde da Grande São Paulo. Já o precedente sobre empresas de economia mista é da primeira seção do STJ, envolvendo a TMC Terminal Multimodal de Coroa Grande SPE e a sociedade de economia mista Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep) – empresa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Fonte: Valor Econômico