A chamada transação tributária, que no Brasil ainda é uma novidade que não saiu do papel, já é praticada e utilizada como política pública de recuperação de débitos fiscais pela administração na França há 88 anos. O instrumento, discutido atualmente no Brasil no formato de um anteprojeto de lei elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e em análise na Casa Civil, cria a possibilidade de negociação direta entre o contribuinte e o fisco para o pagamento de dívidas fiscais. "Se o Brasil vier a adotar esse mecanismo não será por acaso. O governo tem necessidade de um espaço para manobra (negociação)", afirma a professora de finanças públicas e direito fiscal da Universidade de Sorbonne, Marie Christine Esclassan, uma das palestrantes do XII Congresso Internacional de Direito Tributário da Associação Brasileira de Direito Tributária (Abradt), que termina hoje em Belo Horizonte.
Na França, a transação é permitida apenas para as penalidades fiscais, ou seja, para multas e juros. O valor do débito principal não entra na negociação, mas o contribuinte, ao fechar o acordo, obriga-se a pagar o o principal. Segundo a professora Marie Christine Esclassan, as partes fecham um contrato no qual tanto o contribuinte quanto a administração pública têm a segurança jurídica do resultado da negociação, que não poderá ser contestada ou modificada mais tarde no Poder Judiciário. "O contribuinte sabe que a administração não mudará de idéia em relação ao seu benefício, e a administração pública sabe que receberá o imposto principal e os valores das penalidades negociados", afirma.
Segundo ela, trata-se de um mecanismo que, por um bom tempo, juntamente com os outros três métodos alternativos de negociação aplicados no país, foram preteridos pelos contribuintes, que davam preferência às discussões na Justiça. Mas atualmente, conforme a professora, esses métodos estão em alta, por suas facilidades e custos mais baixos. Na França, como no Brasil, um processo judicial pode demorar cerca de dez anos para ser finalizado e os valores gastos são elevados. Além disso, ela ressalta que as duas partes ganham, pois é uma oportunidade de negociar e recuperar débitos.
Além da transação, o governo francês pode conceder uma redução do débito ou simplesmente abrir mão do mesmo. A concessão, porém, é sigilosa. A possibilidade, segundo a professora, existe desde a época dos reis – que poderiam conceder essa graça a algum súdito. O sistema francês admite ainda a arbitragem, presente em todos os departamentos púbicos de cada região do país, por meio das chamadas comissões de departamentos dos contribuintes. Por meio desses órgãos, paritários, as partes podem estabelecer uma arbitragem para discutir alguma pendência fiscal. E existe também no país a possibilidade de mediação e conciliação. "Há um conciliador em todos os departamentos de impostos da administração para resolver os problemas de comunicação entre o fisco e os contribuinte", afirma.
Na proposta brasileira, a transação poderá ocorrer tanto para o débito principal quanto para as penalidades. Segundo o professor de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP) e também um dos palestrantes do congresso, Heleno Torres, para juros e multas há uma previsão de redução gradativa estabelecida no anteprojeto. Quanto ao débito principal, o professor explica ser necessário existir um litígio prévio que justifique o estabelecimento de uma negociação, cujo objetivo será uma solução amistosa. Ele exemplifica ao dizer que, se o contribuinte sofreu um auto de infração por usar créditos de algo que considere ser insumo, terá a oportunidade de demonstrar para a Fazenda que, na sua produção, aquilo realmente é um insumo e, portanto, os créditos poderiam ser aproveitados.
A última versão do anteprojeto previa cinco tipos de transação. Uma delas é a administrativa, que possibilitaria a negociação no curso de um processo administrativo. Da mesma forma, a conciliação judicial permitiria uma conciliação no decorrer de um processo judicial. Outra previsão é a conciliação para o caso de insolvência tributária e transação para recuperação tributária. Há o que se chama também de prevenção de conflitos tributários, possibilidade que seria usada antes mesmo do surgimento do conflito para situações geradas por incertezas em relação ao texto legal. A proposta é semelhante às soluções de consultas existentes hoje, pelas quais os contribuintes consultam a Receita Federal sobre a aplicação de determinado procedimentos. A diferença é que, na transação, o resultado da prevenção seria vinculante, ou seja, teria efeito para todos os contribuintes. Além das modalidades listadas, existe ainda a possibilidade de realização de uma espécie de arbitragem, que poderia ser solicitada pela parte se existisse na transação a necessidade de uma análise técnica do tema discutido. Nessas situações, o contribuinte escolheria um árbitro e a Fazenda, outro. Já o Ministério Público indicaria um terceiro árbitro para presidir a câmara. A idéia da PGFN é a de que os resultados de todas as transações sejam públicos. Além disto, o Tribunal de Contas da União (TCU) seria sempre convidado a participar das transações.
Zínia Baeta, de Belo Horizonte
Publicado em 29 de agosto de 2008
Fonte: Valor Econômico