Criada com o objetivo de dar sobrevida às empresas brasileiras em situação de risco, a nova Lei de Falências (11.101/2005) parece que não resistirá aos resultados da crise global. Isso porque com a crise financeira mundial, o crédito em bancos tende a ficar cada vez mais restrito, já que aumentará os critérios cadastrais para o empréstimo e, com isso, a possibilidade de a empresa se erguer no mercado fica menor. A opinião é do juiz paulista Carlos Henrique Abrão, da 42ª Vara Cível do Fórum João Mendes e um dos fundadores do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE).
Em entrevista exclusiva ao DCI, o magistrado afirmou que o Brasil tem 783 recuperações em andamento, sendo que só São Paulo detém 25% desse montante, todas em andamento, a exemplo dos casos da Varig e Parmalat. Essa última, por sinal, passou pelas mãos dele no tribunal paulista. "A lei, apesar de estar apenas três anos em vigência, já está defasada para o momento. O Brasil demorou 60 anos para aprová-la e quando veio uma crise como a atual, que é muito forte para nós, não tem como funcionar. É como um Titanic, afundam primeiro os países mais pobres, lá embaixo, depois vai subindo, mas ninguém sabe de onde veio o furo na embarcação. O Brasil de 2009 e de 2010 vai ser o Brasil da crise", diz.
Para Abrão, a grande crise financeira de hoje é, em pequena escala, a crise de cada empresa que quebra. "A maioria dos empresários se socorrem da lei na situação pré-falimentar. Não existe a cultura de admitir que está mal das pernas. O empresário já apresenta seu plano de recuperação quando não tem mais saída. A gente empurra com a barriga recuperação que não é viável."
Na opinião do magistrado, o setor sucroalcooleiro é o que deve sofrer mais com a crise. "Já tem cerca de 60% de usinas à venda. O problema começa com os bóias-frias e toma proporções inimagináveis", acredita.
E acrescenta que o governo deve interferir, criando linhas de crédito e reduzindo juros, como uma forma de manter a saúde da economia do país. Como estão fazendo agora os governos dos Estados Unidos, da Inglaterra e dos outros países mais afetados pela crise financeira. "A lei não abraça recuperação de empresa de pequeno porte. E mais: os juros são de 12% ao ano, impraticáveis para uma empresa nesse estágio, ainda mais agora", completa.
Exemplos
Na Alemanha a lei de falências demorou dez anos para ser aprovada, mas deu certo. É o que acredita o magistrado. De acordo com ele, quando o empresário alemão apresenta o plano de recuperação, se ele for factível, é aprovado imediatamente. Se estiver incorreto ou for falho, o juiz já decreta falência. "A demora para matar a empresa traz piores conseqüências, a recuperação de algo que não tem mais jeito é ilusório. Recuperar empresa é muito caro no Brasil", diz.
Para o magistrado, é esse tipo de cultura que não existe no Brasil. "Não basta apenas enfrentar de forma paliativa a crise, mas fazer uma reestruturação via judicial. Hoje temos só três casos de recuperação extrajudicial. Ou seja, apenas esses três deram certo, se valeram corretamente do instituto como deve ser. Essa recuperação atual é visto com um binóculo. A lei é muito mais econômica do que jurídica", diz.
Ainda segundo Abrão, os Estados Unidos têm uma lei boa, mas se discute fortemente mudanças com a crise das empresas aéreas. Lá, quando vai à recuperação já existe um plano pré-aprovado, ou seja, os grandes financiadores da recuperação são os bancos. "Quando a America Airlines estava em crise, por exemplo, tinham os bancos Boston, por exemplo, por traz dela. Agora os bancos estão com problemas. Se lá também não mudar a lei, vão ter complicações, vai ter alto índice de falências naquele país", comenta.
Já na França, país onde o magistrado tem especialização, conta com uma comissão do Ministério das Finanças que funciona para monitorar crises de liquidez. Ele explica que, quando necessário, o parlamento se reúne e em até três meses altera a lei.
Mudanças
Lei mais aberta, menos burocrática e útil para todos os empresários. É o que aposta o juiz Carlos Henrique Abrão e o INRE defendem. O magistrado disse que a legislação "tem pontos essencialmente bons, mas vários falhos que vão comprometer a substância de lei se a crise for maior". Ele levantou pontos importantes na nova Lei de Falências passíveis de alterações. Algumas delas são ampliar o leque de cobertura para a recuperação de microempresa e empresa de pequeno porte, dilatando o prazo, reduzindo os juros; desobrigar o empresário de apresentar certidão negativa tributária; eliminar custas e despesas nos recursos interpostos pelo administrador judicial; criar recursos para administrar o estado temporário de crise, inclusive junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e fiscalização e monitoramento do plano homologado, dentre outros.
Marina Diana
Fonte: AASP
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