Apesar de todo o esforço legislativo, regulatório e político, as taxas de juros bancários cobradas no Brasil ainda estão entre as mais elevadas do mundo. Especialmente no momento atual, em que a crise financeira internacional tornou o crédito mais escasso e caro, as altas taxas de juros potencializam a judicialização de controvérsias relativas a contratos de crédito. Com isso, cada vez mais tomadores de crédito têm buscado a tutela jurisdicional para questionar as taxas de juros cobradas nos contratos de crédito bancário.
O exame da jurisprudência que vem se consolidando no Superior Tribunal de Justiça (STJ) revela a inclinação das cortes brasileiras em favor dos tomadores, sendo frequentes os casos em que se julgam abusivas as taxas contratualmente fixadas, determinando-se sua redução. Segundo o STJ, estando os contratos bancários sujeitos à legislação consumerista, a abusividade das taxas de juros remuneratórios neles previstas há de ser declarada quando discrepar em muito da média do mercado.
De início, salta aos olhos uma interessante contradição da jurisprudência, que, implicitamente, reconhece a legitimidade do mercado para estabelecer os parâmetros médios das taxas de juros, mas recusa-lhe essa mesma legitimidade para o estabelecimento de condições de contratação diferenciadas em casos isolados. Também é curioso notar que as decisões judiciais, apesar de focarem casos específicos, não se debruçam sobre as possíveis vicissitudes que podem ter determinado, naqueles casos, a cobrança de juros acima da "média não abusiva".
Não obstante, a intervenção judicial ignora a realidade econômica que a envolve, desconsiderando que a fixação das taxas cobradas pelos bancos leva em conta os riscos envolvidos no empréstimo e que decisões judiciais que revisam contratos podem aumentar a percepção de risco dos agentes. Ignora-se, ademais, que, em uma economia de mercado, o contrato bancário que é submetido ao crivo judicial é, na verdade, parte integrante de uma rede contratual e, portanto, que os resultados da decisão judicial sobre as taxas de juros de um contrato não repercutem somente sobre aquela avença específica.
Ao alterar as bases contratuais de uma operação de crédito específica, reduzindo as taxas de juros sem que se cogite das circunstâncias do caso concreto, a atuação jurisdicional acaba sendo vista pelo mercado como um fator de risco adicional, levando ao aumento das taxas cobradas em operações futuras e ao enrijecimento do procedimento de concessão de crédito. Como se costuma dizer em economia, "não há almoço de graça". Ou seja, se alguém usufrui de um direito é porque outra pessoa, de algum modo, pagará por isso. No presente caso, a revisão judicial das taxas de juros, ao menos da forma hoje proposta pelo STJ, gera efeitos negativos sobre o mercado de crédito como um todo e acaba prejudicando o próprio consumidor a quem o juiz busca proteger.
Outro aspecto interessante que passa ao largo é que não se está diante de qualquer essencialidade no ato de conceder crédito. Ainda que se leve em conta o argumento de que o crédito pode ser considerado uma facilidade econômica que confere maior liberdade às pessoas, na linha proposta por Amartya Sen, não parece haver supedâneo para cogitar de "direito fundamental ao crédito", a justificar tão brusca intervenção do juiz. Até porque, se houvesse um direito efetivo ao crédito, seria necessário cogitar do dever de uma contraparte em conceder crédito, o que não parece razoável.
Ora, se não há um direito fundamental, a interpretação do contrato não pode deixar de partir da presunção de que ele foi celebrado de forma livre e espontânea pelo credor, no exercício de sua autonomia da vontade. Nessa linha, eventuais erros de avaliação – obviamente, desde que não tenham sido fruto de vícios de vontade – ou mesmo problemas de natureza pessoal do devedor no curso do contrato não podem ser considerados elementos justificadores da revisão judicial do contrato, sob pena de introduzir grande insegurança jurídica no ambiente negocial.
Sob a ótica reguladora, há outros flancos possíveis de atuação estatal. Além do aperto da regulamentação com vistas a reduzir a assimetria de informação e a estimular a cobrança de taxas mais baixas, é possível uma participação direta mais efetiva do Estado no mercado financeiro, por meio da concessão de crédito mais barato pelos bancos públicos, como forma de induzir a uma maior concorrência, com benefícios diretos ao consumidor.
Não é da caneta do juiz que deve vir a solução para as altas taxas de juros no país, mas da atuação coordenada, firme e cada vez mais incisiva dos entes reguladores do sistema financeiro. Obviamente, sempre caberá ao Poder Judiciário assegurar que os contratos sejam celebrados em observância às prescrições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), coibindo eventuais excessos. Mas não se pode, em nome disso, praticar outros excessos. Impõe-se, portanto, uma revisão nos parâmetros atualmente em voga na jurisprudência, para que, em nome da cura da doença, não se acabe matando o paciente.
Fonte: Valor Economico
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