Por Alessandro Borges

 

O exponencial crescimento da demanda por conteúdos audiovisuais (novelas, filmes, documentários, séries etc.) observada nos últimos anos em função da massificação dos serviços de streaming (OTT) como Netflix, Crackle e Itunes, tem tornado cada vez mais recorrente a comercialização por empresas brasileiras dos direitos de exibição de suas obras em favor de adquirentes estrangeiros.

Diante desta nova realidade e do considerável aumento da receita a ela atrelada, muitos contribuintes passaram a atribuir-lhe a desoneração do PIS e Cofins aplicável às exportações de mercadorias e serviços, seja por conta da imunidade prevista no art. 149, §º 2º, I, da CF, seja por interpretação jurídica das isenções previstas na legislação ordinária.

Contudo, o Fisco federal, por meio de manifestações em processos de consulta vem se posicionando pela incidência destas contribuições sobre as receitas decorrentes da comercialização de intangíveis para o exterior, sendo que em outubro deste ano houve a consolidação deste posicionamento por meio da Solução Cosit nº 431/2017 com efeitos vinculativos para toda a administração tributária federal, nos seguintes termos: “Os royalties recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento de tecnologia, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, razão pela qual não se enquadram nas hipóteses de não incidência da Contribuição para o PIS/Pasep (…) Cofins”.

A tendência é que este contencioso de PIS e Cofins torne-se cada vez mais presente nos próximos anos.

A conclusão da administração fazendária pautou-se na redação dos art. 22, “d” e 23 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964. Pontuou que pelo fato da natureza jurídica do royalty ser remunerar a propriedade industrial e intelectual, ele não poderia ser equiparado às receitas de venda de mercadorias ou de prestação de serviços.

Combinando-se esta interpretação a outra que vem sendo adotada pela Receita Federal e em julgados do Carf, qual seja, de que a remuneração por direitos autorais em operações com o exterior se classificam como royalties para fins da incidência da Cide. Tecnologia, não há dúvidas de que a tendência em procedimentos fiscalizatórios será pela exigência do PIS e Cofins sobre os valores recebidos do exterior nas cessões de direitos de exploração de obras audiovisuais.

Contudo, mostra-se como um contrassenso não se reconhecer que existem receitas obtidas por outras formas de transação que não a venda de mercadorias e serviços. Infirmar a possibilidade de comercialização de objetos intangíveis que fogem ao sentido tradicional e estrito de mercadoria ou serviço, não se mostra razoável e desconsidera a importância econômica das relações comerciais decorrentes da revolução digital.

A tecnologia ou o direito de exploração de uma obra, por exemplo, são bens passíveis de transação econômica. Podem ser vendidos, como também podem ser cedidos por prazo determinado, mediante pagamento de royalties. Trata-se, portanto, do mesmo intuito de geração divisas internacionais que decorre da exportação de qualquer outro tipo tradicional de produto ou serviço, que sempre motivou a concessão de incentivos fiscais pelo legislativo a operações de comércio exterior, visando fomentar superávits da balança comercial.

Conhecer a imunidade do PIS/Cofins apenas às receitas de exportação mercadorias e serviços e não aplicá-la aos royalties, afronta diretamente esta regra constitucional e a posição já consagrada pelo STF de que a interpretação das imunidades deve ser a mais abrangente e consoante o objetivo pretendido pelo dispositivo constitucional.

Sob esta ótica, não restam dúvidas que deve prevalecer a desoneração tributária de qualquer receita, cujas divisas ingressem no Brasil, em decorrência de operações de exportação, em seu sentido mais amplo, raciocínio que, inclusive, foi aplicado em julgado do Carf, envolvendo empresa do setor farmacêutico por meio da seguinte ementa: “Exportar tecnologia é exportar produto-serviço. A receita de exportação de tecnologia obtida através de royalties não pode ser incluída na base de tributação da contribuição”.

Considerando a consolidação de entendimento pela Cosit e até mesmo a existência de autuações que já levaram a matéria ao crivo do Carf, a tendência é que este contencioso de PIS e Cofins torne-se cada vez mais presente nos próximos anos, seja em face do aumento do número de transações, seja por conta dos significativos valores envolvendo cessões de conteúdos por empresas nacionais em favor de prestadoras de serviços de streaming estabelecidas no exterior, recomendando-se aos contribuintes afetados, desde já, traçar estratégia organizacionais ou jurídicas para evitar mais esta tentativa de oneração.

Alessandro Borges é especialista tributário, sócio do Benício Advogados

 

Fonte: Valor Econômico 

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